24 outubro 2006

História da China em três penadas

Neste dia viajamos. Amanhã chegaremos. Enquanto nos vamos aproximando, vamos lendo qualquer coisa sobre a história da China. Eu, mais preguiçoso, fico-me pelo Guia da China da Lonely Planet, que alguns consideram o melhor nas suas quase 1000 páginas. A Margarida, mais cuidadosa, leu a tempo e horas a obra (já clássica) de Jacques Gernet, Le Monde Chinois, na edição em três volumes de bolso da Armand Colin. Os elementos de história da China que deixamos abaixo são úteis, pensamos, para perceber algumas coisas: tanto do que vimos, como das forças e fraquezas dessa enorme massa humana que agora assusta tanta gente - como se "eles" não tivessem sido quase sempre grandes e poderosos.
Neste blogue não temos uma linha oficial acerca de como transcrever as palavras chinesas: por vezes seguimos a transcrição clássica no ocidente (por exemplo, "Pequim"); por vezes seguimos a transcrição oficial chinesa, designada PINYIN (por exemplo, "Beijing").
0 comments

Dos primórdios até à intromissão dos ocidentais

Nota de 1 yuan.


1700 - 1100 a.C.
A Dinastia Shang domina o norte da China (planícies do Rio Amarelo e do Huái Hé); aparece a escrita (pictogramas), base da escrita actual. Na China, a escrita e o culto dos antepassados são os principais laços entre o passado longínquo e o presente.

1100 – 221 a.C. / Dinastia Zhou
Os Zhou, originários do actual Shaanxi, tomaram o poder e alargaram o território até Pequim (a norte) e até ao vale do Cháng Jiãng (Yangzi) a sul. Em 771 a.C. a capital, que estava próxima de Xian, foi transferida para a região de Luoyang (a leste), começando o período dos “Zhou orientais”. O último período (dos “reinos combatentes”), entre 475 e 221 a.C., foi marcado por lutas constantes entre reinos rivais.

221 – 207 a.C. / Dinastia Qin
O período dos “reinos combatentes” termina pela vitória e domínio do reino ocidental dos Qin. O rei de Qin é conhecido como Qin Shi Huang, isto é, “o primeiro imperador de Qin”, que reivindica assim uma primeira grande unificação. Os conhecidos guerreiros de terracota perto de Xian pertencem ao túmulo deste “primeiro imperador”, que criou um sistema administrativo fortemente centralizado e dividiu o território em províncias geridas por funcionários do poder central; uniformizou a moeda, normalizou a escrita, construiu redes de estradas e canais. Impôs o seu domínio pelas armas e a sua filosofia do poder dava mais valor à lei e às punições pelo seu incumprimento do que aos ritos e à moralidade. Foi este “primeiro imperador” que lançou a Grande Muralha, juntando muralhas mais pequenas de diversos reinos submetidos. O seu sucessor, incompetente, foi rapidamente derrubado por uma rebelião.

206 a.C. – 220 d.C. / Dinastia Han
Os Han consolidaram o modelo de um império unificado sob a autoridade de um único soberano: no século 1 a.C. eliminaram os Estados vassalos que ainda subsistiam no início da dinastia. É sob o imperador Wu (186 a.C. – 140 a.C.) que aparece o sistema de exames oficiais para recrutar funcionários competentes para servir o Estado central. Entre 9 e 23 d.C. houve um interregno, com a Dinastia Xin. Antes deste interregno falamos dos “Han anteriores”; depois, temos os “Han posteriores”.

220 – 581
No fim do período Han o império unificado começa a desagregar-se, seguindo-se séculos de guerras intestinas. Do longo período de descentralização e guerra emergiu um dos reinos do norte: o dos Wei ocidentais.

581 – 618 / Dinastia Sui
Em 581 um dos generais do reino dos Wei ocidentais tomou o poder nesse reino e fundou a dinastia Sui. Em 589 os Sui controlavam já também o sul da China, obtendo assim de novo a reunificação sob uma autoridade única.

618 – 907 / Dinastia Tang
Esta é a idade de ouro da China, em parte graças à criação literária. Li Yuan, o chefe dos exércitos de Sui Yangdi (último da dinastia Sui), sucedeu ao seu imperador e fundou a dinastia Tang. Para cortar cerce as divisões, dividiu o império em 300 zhou e 1500 xian, uma divisão territorial cuja lógica permaneceu até aos nossos dias. Também os Tang tiveram um interregno: entre 690 e 705 temos a dinastia Zhou, fundada pela concubina do segundo imperador Tang após a morte deste. O período mais prestigiado dos Tang é o reinado de Xuanzong (712-756): o seu interesse pelas artes, pela religião – e por uma das suas concubinas – era tão grande como o seu desinteresse pelo Estado. Isso provocou a ambição de um general colocado fora da capital – e provocou conflitos violentos. A rebelião de An Lushan (como se chamava o tal general) levou a mais um surto de centralização: criação de um exército de mercenários ao serviço da corte, sistematização dos impostos. O poder dos Tang enfraqueceu nos séculos VIII e IX: ataques do exterior, descontentamento interno.

907 – 960
A queda dos Tang foi seguida de um novo período de divisão.

960 – 1279 / Dinastia Song
A dinastia Song divide-se em dois períodos: os “Song do Norte” (960-1127) e os “Song do Sul” (1127-1279).
Os Song do Norte, um modesto “império” com capital em Kaifeng, coexistiam com as dinastias não chinesas dos Liao (a sul da Grande Muralha) e dos Xi Xia (do nordeste). Todos foram atacados e dominados pelos Jurchen (antepassados dos Manchus), que fundaram a dinastia Jin e puseram capital perto de Pequim.
Os Song transferiram a capital para Hangzhou (perto de Xangai), ficando independentes mas numa posição subalterna face à dinastia “bárbara” dos Jin, a quem pagavam pesado tributo em seda, chá e prata. Esses são os Song do Sul.
O período dos Song foi de progresso científico (designadamente na astronomia e na medicina), cultural (filosofia, poesia) e artístico (pintura, caligrafia) – mas também técnico (novas técnicas agrícolas, minas, cerâmica, seda, invenção da pólvora e da tipografia com tipos móveis, melhor papel).
É durante esta dinastia que se dá a decadência da aristocracia tradicional, substituída pela classe dos comerciantes e pela ascensão de uma classe particular: os funcionários cultos designados pelos europeus como “mandarins”, que são uma espécie de alta burguesia. O mandarinato está associado ao sistema de exames imperiais, um sistema impressionante para seleccionar candidatos à “função pública” com base no seu mérito cultural.

1206 – 1368 / Dinastia Yuan (os Mongóis)
Gengis Khan, soberano mongol a partir de 1206, atacou a China em 1213 e tomou Pequim em 1215. Os seus sucessores, tendo derrotado vários reis em várias zonas da China e fora dela, criaram um império gigantesco, que se estendia da Pérsia à Ucrânia e à Coreia. A dinastia Jin, sediada no norte da China, foi derrotada em 1234 e a dinastia dos Song do Sul em 1279. Segue-se a dinastia Yuan, mongol. A sua capital estava onde está hoje Pequim. Os mongóis, sem o saber da gestão administrativa, política e económica suficiente para governar tão vasto império, deram ocasião a inúmeras revoltas.

1368 – 1644 / Dinastia Ming
Em 1367, um noviço budista, Zhu Yuanzhang, tomou a liderança de um movimento de rebelião contra os mongóis. Bem sucedido, restaurou o poder chinês e fundou a dinastia Ming em 1368, com capital em Nanjing. O primeiro dos Ming era um déspota: as várias purgas da administração levaram à execução de cerca de 10.000 mandarins, mais as respectivas famílias.
No princípio do século XV a corte começou a deslocar-se para Pequim. O Palácio Imperial (Cidade Proibida) que aí existe hoje começou a ser construída por impulso do imperador Yongle (1403-1424). Excepto os 21 anos de poder nacionalista no século XX, Pequim nunca mais deixou de ser a capital do império. Yongle lançou uma série de sete grandes expedições marítimas. Seguiram-se tempos difíceis: nova invasão mongol levou ao aprisionamento do imperador durante um ano (1439). Na segunda metade do século a Grande Muralha foi ampliada em mais 900 quilómetros, atingindo o seu máximo. A costa marítima era mais difícil de defender e era frequentemente atacada por piratas.
Os primeiros navegadores europeus chegaram no século XVI. Em 1557 os portugueses estabeleceram uma feitoria permanente em Macau. Os portugueses foram a grande porta da China para o Ocidente. A segunda metade do século XVI é um “renascimento”, semelhante ao da dinastia Song.
A autocracia Ming desmoronou-se por dentro: os altos funcionários da corte ocupavam-se dos assuntos de Estado que os imperadores descuidavam; as lutas entre facções da administração proliferavam; os imperadores a partir do século XVI deixaram cada vez mais poder nas mãos da casta dos eunucos, o que se agravou no século XVII. À decadência do poder juntou-se a invasão dos Manchus. A partir do estado militarizado dirigido pela dinastia dos Jurchen, no norte, os Manchus atacam a China. Pequim, capital dos Ming, caiu em 1644, não às mãos dos Manchus, mas de uma revolta camponesa – que, por sua vez, cedeu o lugar aos Manchus.

1644 – 1910 / Dinastia Qing (os Manchus)
Os Qing (Manchus) demoraram cerca de quarenta anos a pacificar o país face à resistência das forças leais aos Ming. Aquilo que actualmente se designa por tríades chinesas (sociedades secretas frequentemente associadas ao crime organizado) é um resquício das sociedades secretas criadas para resistir aos Manchus. A resistência terminou em 1638.
Os Manchus integraram no império a sua própria terra natal, bem como a Mongólia, que dominaram; trataram o Tibete como uma parte relativamente autónoma do império; colocaram o território muçulmano do Xinjiang sob controlo administrativo especial; ocuparam (descontinuamente) a ilha de Taiwan. Tendo tratado de forma até certo ponto equilibrada as aspirações de chineses, manchus, mongóis e tibetanos, os Ming conseguiram um certo grau de coesão imperial num vasto território que coincide em grande parte com a China de hoje (com as principais excepções da Mongólia exterior, república independente desde 1924, e de Taiwan).
Contudo, adoptaram um símbolo do seu domínio. Impuseram, como marca de submissão, o corte de cabelo que muitos pensam ser tipicamente chinês: cabelo rapado na parte anterior do crânio, o resto dos cabelos numa longa trança.
0 comments

Com os ocidentais metidos na confusão

Nota de 1 yuan.

Globalização à moda antiga


O imperador Yongzheng (1722-1735), da dinastia Qing, modificou a até então dominante política de abertura aos ocidentais. Começou por proibir a “agressiva” actividade dos missionários nas províncias. Qianlong (1736-1795) restringiu progressivamente o comércio marítimo internacional, que a partir de 1757 só se podia fazer em Cantão.
O particularmente intenso comércio entre a China e a Império Britânico, embora limitado a Cantão, mostrava uma balança comercial desequilibrada a favor dos chineses. Essa situação foi modificada no princípio do século XIX, à custa das importações ilegais de ópio, de que os britânicos eram os principais agentes e beneficiários.
Um alto funcionário imperial, enviado (em 1839) propositadamente pelo imperador a Cantão para fiscalizar a situação, confiscou 20.000 caixas de ópio em armazéns dos britânicos. Esse e outros incidentes menores levaram os ingleses à guerra com a China: a “guerra do ópio”, cuja “primeira edição” começou em 1840. Os Chineses, em perda, aceitaram um tratado que concedia liberdade de comércio, que previa uma pesada indemnização a pagar pelos chineses e que entregava Hong Kong aos ingleses. Mas o imperador chinês recusou cumprir o tratado e a guerra continuou durante alguns anos, após o que os chineses se submeteram às condições.

O império em dissolução

Se as relações com os estrangeiros pesaram na desestabilização do Império, as condições internas também não ajudavam.
Por um lado, havia uma certa degradação do poder, simbolizada pela influência, crescente entre 1856 e 1908, da “imperatriz” Cixi (a favorita do imperador Xianfeng), que ficou regente depois da morte do titular.
Por outro lado, crescia a contestação interna. A mais importante das rebeliões deste período é a Revolta dos Taiping, que começou em 1850 na província de Guangxi e envolveu um exército de 600.000 homens e 500.000 mulheres. Os Taiping, liderados por um letrado que tinha chumbado no exame imperial, tinham uma ideologia inspirada pelos missionários cristãos e queriam proibir o jogo, o ópio, o tabaco, o álcool, a escravatura, a prostituição – e os pés enfaixados das mulheres chinesas. A Revolta dos Taiping foi dominada com a ajuda dos ocidentais, que preferiam tratar com um governo que já conheciam (corrupto mas conhecido) do que tratar com um governo “puritano” inspirado numa certa utopia com laivos de cristianismo.
A chamada “segunda guerra do ópio” tem lugar a partir de 1856, quando as tropas inglesas e francesas voltam a atacar para aumentar a sua influência e extorquir novas concessões comerciais: mais portos abertos ao comércio internacional, aceitação de embaixadas permanentes em Pequim. A ascensão de Xangai como novo pólo comercial, e ponte entre ocidentais e orientais, está muito ligada a este período. Em Xangai passou a haver duas zonas de comércio internacional “livres” do poder imperial: a “concessão internacional”, governada pelo Conselho Municipal; a “concessão francesa”, governada pelo cônsul francês.

A República substitui o Império - mas aos soluços

A segunda metade do século XIX não foi fácil para o Império Chinês: crescente poderio dos estrangeiros sobre o seu território (com novos apetites a entrar em jogo, nomeadamente os alemães), mais revoltas internas de grandes dimensões, ataques militares dos japoneses, perda de Taiwan, dissolução da capacidade de liderança imperial. Resultado: queda do império. Mas ainda faltava muito para acabar a confusão!
Em 10 de Outubro de 1910 foi proclamado o governo republicano provisório. A presidência foi entregue ao chefe do exército imperial que tinha sido enviado para reprimir os republicanos – e que tinha acabado por ajudar a derrubar o imperador, com a condição de ser o novo líder. O apressado presidente da república, que nada tinha a ver com o movimento nacionalista republicano, dissolveu o governo e modificou a constituição para se tornar presidente vitalício.
Como a oposição a essa "solução" era generalizada, o homem restabeleceu a monarquia e em 1915 autoproclamou-se imperador. Várias regiões começaram a separar-se, ficando governadas por senhores da guerra, num processo que envolveu novos conflitos internos durante vários anos. O general imperial que derrubou o império, que se tornou presidente da república e que depois se chamou a si próprio imperador, de seu nome Yuan Shikai, deu uma solução ao caso: morreu. Recomeçou, então, o processo republicano, que tinha sido originalmente lançado pelo médico de Cantão, cristão, que dava pelo nome de Sun Yat-sen e que tinha proclamado a república em 1911. No início dos anos 1920, o partido nacionalista (Kuomintang) era a força política dominante na China.


Nacionalistas e comunistas contra os invasores japoneses - ou não?

Em 1921, em Xangai, foi criado o Partido Comunista Chinês. O Kuomintang e os comunistas aliaram-se tendo em vista a resistência ao expansionismo japonês. A aliança rompeu-se após a morte de Sun Yat-sen em 1925, tendo o partido nacionalista passado a ser liderado por Tchang Kai-chek, anti-comunista e favorável a uma ditadura militar. A China estava em estilhaços, entre vastas zonas controladas por senhores da guerra que não obedeciam ao poder central, a guerrilha comunista que alastrava, a ditadura dos nacionalistas e a invasão japonesa da Manchúria (1931). Os nacionalistas estavam mais empenhados em combater a oposição comunista do que a invasão japonesa, mas foram obrigados pela força a um novo acordo com os comunistas (frente comum contra os japoneses). (O general que obrigou Tchang Kai-chek a esse acordo foi depois preso às ordens do próprio Tchang Kai-chek. Esteve preso 50 anos: primeiro na China, depois em Taiwan, para onde foi levado quando Tchang Kai-chek lá se refugiou. Só foi libertado depois da morte de Tchang Kai-chek em 1975.) Os japoneses invadiram o resto da China em 1937. Os chineses acabaram por só se verem livres dos japoneses quando o Japão foi derrotado pelos Estados Unidos no fim da Segunda Guerra Mundial.

República Popular da China

Seguiu-se a guerra civil entre nacionalistas e comunistas, ganha por estes. Em Pequim, a 1 de Outubro de 1949, Mao Tsé-tung proclamou, numa das Portas do Palácio Imperial, a República Popular da China. Que ainda lá está… e que agora vamos visitar.

0 comments